Veja o texto lido por mães de vítimas em evento dos cinco anos da tragédia da Kiss
No dia 27 de janeiro de 2018, na parte final de evento relacionado aos 5 anos da tragédia da Kiss, no Colégio Marista Santa Maria, as mães de vítimas Aurea Viegas Flores, Irá Mourão Beuren (Marta) e Rosane Pendeza Callegaro ler,am um texto feito por elas, com depoimentos de outros familiares. Confira:
O Conflito das Realidades
Santa Maria, 27 de janeiro de 2013, uma madrugada como qualquer outra, até que soam as sirenes. Ninguém sabe o que está acontecendo, correria, gritos, luzes que se apagam, jovens que caem a própria vida. Famílias correm a procura em hospitais, casas de amigos, parentes, em todos os lugares imagináveis… telefones não param de tocar. Vozes clamam por uma resposta, que pelo menos uma voz do outro lado diga um ALÔ. Nada, nada, nada. Um último lugar, esse ninguém queria ir, mas tivemos que ir e estavam lá, inertes, estáticos, esperando que o pai, a mãe, os irmãos, os avós, os tios, os primos, os amigos os buscassem. Ninguém queria acreditar, a cena não era real, as vidas se modificaram como num piscar de olhos. E agora? Nada mais,… começar do zero, aprender a sobreviver, reaprender a “respirar”. E assim estamos indo nestes cinco primeiros anos… cinco… como cinco, para nós foi ontem, nós queremos acordar desse pesadelo. Alguém, por favor, nos dê uma luz. A luz não se acendeu e nós continuamos… Uns “agarrados” aos outros, pessoas que nunca tínhamos visto agora nos abraçam, nos consolam, nos acariciam. Somos nós, os familiares das 242 vítimas e sobreviventes desta tragédia que poderia ter sido evitada, se todos os responsáveis tivessem ao menos sido fiéis aos seus encargos.
Então seguimos… Um dia, um mês, um ano… Nesse tempo surgiu um grupo e “nasceu” a Associação, AVTSM. Quem participará desse grupo? ninguém quer ou queria, surgem então seu Adherbal Ferreira e Leo Becker, nossos primeiro representantes, a seguir assumem como líderes Sergio da Silva e Flávio Silva, e está aí o grupo lutando pela VIDA, lutando para que nunca mais aconteça nada que deixe o ser dilacerado. Ações são feitas diariamente, muitas vezes no silêncio e outras num grito de desespero. Assim somos nós, a ASSOCIAÇÃO DOS FAMILIARES DE VITIMAS E SOBREVIVENTES DA TRAGÉDIA DE SANTA MARIA (AVTSM), pais e familiares que precisam da sua mão, da sua que está aí sentado, olhando o vazio, nós precisamos do seu olhar. Nos dê a mão e siga conosco nesta difícil caminhada.
Estamos sozinhos!? Não, há muito que no silêncio, no anonimato nos auxiliam, são seres que surgiram para abrandar esse nosso novo viver.
Não queremos “falar” sozinhos, os relatos a seguir, com a permissão dos protagonistas, nos emocionaram e nos emocionam; são escritos de familiares que conseguiram externar algumas emoções:
1) “Janeiro….o coração bate mais forte!
Quase fechando cinco anos da Tragédia que afetou centenas de famílias na cidade de Santa Maria RS, foi questionado a um grupo de mães que perderam seus filhos, por um meio de comunicação, como imaginaríamos a vida com nossos filhos durante esses cinco anos “se” eles estivessem aqui conosco.
Devido a “falta da falta” do que dizer ou contar, essa matéria não foi possível ser feita.
Hoje quinze de janeiro, faltando doze dias para fechar cinco anos do acontecimento, me questionei:
O por que não me deram o direito de VIVER?
Não pude responder a mim mesma essa questão, porque o último dia vivido por nós pais, com nossos filhos parou no dia 27 de Janeiro de 2013.
Não tenho como imaginar nada, como tudo seria hoje se nosso filho estivesse aqui.
Formou-se uma lacuna, um vazio imensurável, sem ter como explicar esse sentimento de perda.
O que temos guardado são lembranças vividas com muitas alegrias, pequenos gestos, trejeitos, olhares, abraços que são lembrados como se fossem “tesouros”, é isto que tenho para contar.
Cinco anos de uma SAUDADE que não se imagina, se VIVE.
Te amamos filho querido, Lucas Dias, eternamente, que Deus nosso Pai te guarde e te ilumine porque um dia nos abraçaremos daí sim vou poder contar como será o nosso grande REENCONTRO!!!!” Marise Dias (Santa Maria – RS)
2) “Lutar por justiça com dignidade e ética é um exemplo de amor ao próximo, ao nosso semelhante. Eu perdi minha filha e sei o que isto significa. Não me sentiria em paz se nada fizesse para evitar que outras famílias passem por isto.” Jorge Luís Malheiros (Ijui – RS)
3) “É minha Amiga, uma DOR sem cura, pois está na ALMA e não corpo (física) só quem passa por isto sabe como É. A gente continua vivendo para terminar de CUMPRIR nosso Missão aqui, mas a VIDA jamais será a mesma. O que mais REVOLTA é ver que neste País a JUSTIÇA não EXISTE para muitos, apenas para alguns.” Ariolino de Castilhos Ferreira (Santa Rosa – RS)
4) “Meu amor, quantos planos tínhamos! Quantas coisas ainda faltávamos fazer, cada dia que passa a dor aumenta, quantas vezes rimos, choramos do que fazíamos juntas, quantos medos; dormíamos abraçadas para amenizar qualquer dor que vinha me contar, nossos telefonemas para apenas um “oi”, tudo é doído filha, mas fica com Deus, Ele tem muitos planos prá ti, só falta eu me conformar com tudo isso, mas tá difícil. TE AMO! Minha Linda, muitos beijos da Mãe que eternamente vai te amar!” Mara Amaral Dalforno (São Gabriel – RS)
5) “Deus me concedeu coisas muito boas na vida, filho, mas tu e o mano , com toda certeza, foram a maior bênção recebida…Só tenho a agradecer os 25 anos em que tivemos o privilégio de , juntos, convivermos!!!
Obrigada por tudo que me ensinaste… obrigada pelo amor que me dedicaste… A saudade ficou, e ela me acompanhará para sempre… Beijos desta mãe que te ama muito!!!!” Marlei Nemitz (Manoel Viana – RS)
6) “Quando você era criança, sonhava em ser um super herói…
Mas aos 9 anos descobriu o amor por a música, e começou a sonhar em ser um grande baterista.
Nossa! E como incomodava ao tocar aquela bateria, com sons dissonantes, um barulho horrível.
Precisávamos gritar, berrar com você o tempo todo para que parasse com aquele barulho infernal, hoje…. faria qualquer coisa para ter de volta aqueles sons dissonantes, ouvir você dizer que precisava “treinar” para se tornar um baterista, porque queria ser uma estrela do rock.
Mas hoje, você está fazendo barulho no céu, somente os anjos podem te ouvir, tenho certeza que agora você é um “Super Star” do rock, assim como sempre sonhou.
Te amo, meu irmão!
Fique alegrando o céu e todos que estão ao teu lado com a tua alegria e com a tua “batera”.
Saudades de você, SEMPRE!!!” Vera Lucia Rigoli (Santa Cruz – RS)
7) “Hoje gostaríamos de poder homenageá-la pela sua formatura, pelo seu casamento, pelo nascimento do seu filho ou pela passagem de mais um ano de vida, mas infelizmente nos roubaram este prazer no dia 27 de janeiro de 2013, dia este que mudou nossas vidas e de mais 241 famílias.
Viver no País da impunidade e da corrupção faz com que nos sintamos cada vez menores, ao longo destes anos ouvimos um pouco de tudo, até que somos os culpados por nossos filhos terem morrido, que se tivéssemos dado outro tipo de educação não estariam naquele ambiente, que Deus odeia balada e mais um monte de bobagens de pessoas que não sabem o que é ser jovem e muito menos o significado da palavra AMOR.” Cleonice Anibaletto dos Santos ( Entre Rios do Sul – RS)
Pelas “falas” ouvidas nota-se que isso não aconteceu só aqui em Santa Maria, aconteceu com diferentes realidades, seres que jamais imaginariam estar passando por isso: Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, e o Mundo chorou, chora e clama para que NÃO SE REPITA.
Hoje, neste momento, queremos chamar a atenção da Sociedade para que faça a coisa certa, não se deixe levar pelo “jeito de fazer”, você é responsável pela sua vida e pela vida do seu semelhante. Não se omita, faça a sua parte, nós precisamos de uma resposta. O que e por que aconteceu essa tragédia? Quem são os responsáveis?
A luta de todos nós, da ASSOCIAÇÃO DOS FAMILIARES DE VITIMAS E SOBREVIVENTES DA TRAGÉDIA DE SANTA MARIA (AVTSM) é lutar por um futuro, por um viver mais solidário entre os seres, e para que tragédias NUNCA MAIS SE REPITAM!
Diante de tudo isso, queremos que você reflita neste trecho do Livro: Se Jesus sofreu, por que não Eu? de Marcos Augusto Pêgo Lenk.
“SERES VERDADEIRAMENTE CONSCIENTES DEVEM FAZER SEMPRE O MELHOR PARA SI MESMOS E PARA O PRÓXIMO. SÓ ASSIM SERÃO CAPAZES DE MODIFICAR, DE FORMA CONSTRUTIVA, O MEIO EM QUE VIVEM. DEVEMOS NOS PREOCUPAR EM DEIXAR UM FACHO DE LUZ POR ONDE PASSAMOS.”
MANTER SALVO A VIDA É UM DEVER DE TODO CIDADÃO!
Texto escrito por Aurea Viegas Flores, Irá Mourão Beuren (MARTA) e Rosane Pendeza Callegaro