Comissão da Assembleia se soma a familiares de vítimas da boate Kiss na busca da responsabilização de agentes públicos
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), adotará uma série de medidas em apoio aos familiares das vítimas do incêndio da Boate Kiss. A decisão foi tomada após a audiência pública, que aconteceu na manhã desta quarta-feira (5), a pedido dos deputados Valdeci Oliveira (PT) e Adão Villaverde (PT), para tratar da petição dirigida pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria (AVTSM) à Organização dos Estados Americanos (OEA), pedindo a responsabilização do Estado brasileiro por violação dos direitos humanos. Entre as iniciativas que serão desencadeadas pela CCDH, está a apresentação de uma moção ao Tribunal de Justiça, manifestando contrariedade à ação por calúnia e difamação, movida pelo Ministério Público e que está às vésperas de receber sentença, contra quatro pais que criticaram a atuação dos promotores responsáveis pelo caso. “Acreditamos que os familiares das vítimas não podem ser punidos por exercerem o livre direito de manifestação”, justificou Fernandes ao anunciar a medida.
A Comissão também se pronunciará sobre o caso junto à Procuradoria-Geral da República e à OEA, órgãos para os quais os familiares das vítimas denunciaram a omissão dos agentes públicos em relação aos problemas existentes na casa noturna onde ocorreu o incêndio, que causou a morte de 242 pessoas e deixou outras 600 feridas em 27 de janeiro de 2013. Os familiares pleiteiam junto a PGR que o processo saia da esfera estadual e seja julgado por um juiz federal.
Até o momento, nenhum agente público foi julgado ou responsabilizado pelo caso. Tâmara Soares, advogada que representa a AVTSM junto à Comissão Interamericana da OEA, lembrou que todos os processos de responsabilização de autoridades foram arquivados pelo Ministério Público, o que contradiz o trabalho realizado pela Polícia Civil, que resultou em dois inquéritos com 13 mil folhas e 80 volumes.
Nos 42 meses de funcionamento da Boate Kiss, não houve um só dia, segundo Tâmara, em que o estabelecimento teve todos os cinco alvarás exigidos por lei. “O comando do Corpo de Bombeiros, a prefeitura de Santa Maria e o Ministério Público tinham pleno conhecimento disso. Mas o MP tratou a questão extrajudicialmente até que o risco se confirmou na madrugada de 27 de janeiro”, apontou a advogada.
O presidente da AVTSM, Sérgio Silva, afirmou que, além de se sentirem abandonados pela Justiça brasileira a ponto de buscarem guarida em um tribunal internacional, os familiares vêm sofrendo tentativas de criminalização. Quatro pais foram alvos de uma ação movida pelo Ministério Público, e a associação vem sendo responsabilizada por exigências contidas na nova lei de prevenção a incêndios, aprovada pela Assembleia Legislativa. “A luta por justiça não é só nossa. É de toda a sociedade. Da mesma forma, a prevenção de tragédias deveria ser um desejo de todos, mas alguns usam isso para colocar a população contra nós”, denunciou.
Inquérito policial
Durante a audiência, a AVTSM apresentou um vídeo em que exibiu o resultado das investigações. Conforme o documentário, em 2013 a Polícia Civil concluiu o inquérito com 16 indiciados e apontou outros responsáveis. Entre eles, os donos da boate Mauro Hoffmann e Elisandro Spohr e dois músicos da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na noite do incêndio, Marcelo dos Santos e Luciano Leão. Os quatro foram denunciados por homicídio.
Além disso, quatro bombeiros foram julgados. Um foi absolvido, dois foram condenados pela Justiça Militar por descumprimento da lei de expedição de alvarás e outro foi condenado pela Justiça comum por fraude processual. Os indiciamentos de agentes públicos, no entanto, foram arquivados pelo Ministério Público. “Não há dúvidas que numa tragédia dessa dimensão e com estas características há entes públicos responsáveis. O que deveria ser apurado é o grau de responsabilidade de cada um dos envolvidos”, apontou o deputado Enio Bacci (PDT).
Proponente da audiência, o deputado Valdeci Oliveira afirmou que a iniciativa dos pais de buscar guarida num tribunal internacional representa uma “tentativa desesperada de corrigir uma injustiça”. Para eles, a sociedade não pode ser curvar diante da inversão de valores que significa processar pais que clamam por justiça e desresponsabilizar agentes públicos que foram omissos ou negligentes. “É impossível que numa tragédia de tamanha dimensão não tenha nenhum agente público responsabilizado”, ressaltou.
A deputada Miriam Marroni (PT) sugeriu que a Comissão agende uma reunião com a Procuradoria- Geral da República para verificar o andamento do pleito encaminhado pelos familiares das vítimas.